Auditoria a Entidades Menos Complexas (LCEs)

Há uma enorme oportunidade em resolver o desafio de como desenvolver uma norma mais simples para a auditoria a Entidades Menos Complexas (LCEs).

A confiança nas contas das pequenas e médias empresas (PME) beneficia todos os utilizadores. Tanto mais que estas são os maiores contribuidores para a economia portuguesa. A maioria das auditorias em Portugal são de pequenas e médias entidades, sendo que o panorama no resto do mundo será similar.

Uma auditoria às demonstrações financeiras das pequenas e médias entidades, não exclusivamente, incute certamente mais confiança nos utilizadores e no mercado, uma vez que permite concluir se as demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira a sua situação financeira e patrimonial, bem como o seu desempenho económico.

A questão que se coloca é se a auditoria de uma pequena e média Empresa deve seguir as mesmas normas/standards aplicáveis a uma grande Empresa.

O que são Entidades Menos Complexas (LCEs)?

O International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) introduz o conceito de pequena entidade  como “uma entidade que possui, entre outras as seguintes características qualitativas:  (a) Concentração da propriedade e gerência num pequeno número de indivíduos (muitas vezes um único indivíduo ….); e (b) Uma ou mais das seguintes: (i) Transações lineares ou pouco complexas; (ii) Escrituração simples; (iii) Poucas linhas de negócio e poucos produtos dentro das linhas de negócio; (iv) Poucos controlos internos; (v) Poucos níveis de gerência com responsabilidade por uma vasta gama de controlos; ou (vi) Pouco pessoal, com muitos dos empregados a deterem um vasto conjunto de responsabilidades” (A66, ISA 200).

Esta definição não é, no entanto, consensual e refere-se exclusivamente a características qualitativas. De uma forma geral, constatamos que a generalidade dos países, definiu limiares quantitativos para a respetiva classificação, mas que variam de forma significativa de país para país. Por outro lado, não se trata apenas de dimensão. Pode haver entidades que são pequenas, mas que podem ser consideradas complexas, e pode haver outras entidades que não seriam consideradas pequenas de acordo com os limiares, mas que podem ser consideradas menos complexas. Portanto, e por simplificação, estamos a falar de Auditoria a Entidades Pequenas ou Menos Complexas, sendo que por Pequenas estamos a falar dos limiares definidos e por Menos complexas estamos a falar no julgamento profissional do auditor.

Quais os fatores a considerar na auditoria a Entidades Menos Complexas (LCE)?

O “Documento de discussão” do IAASB relativo a este assunto emitido em setembro de 2019 refere os seguintes fatores:

  • Fatores não diretamente relacionados com a aplicação das normas internacionais de auditoria (ISAs):
    • Requisitos legais e regulamentares para a realização de uma auditoria.
    • Preço de uma auditoria - a pressão sobre os honorários de auditoria pode levar a dúvidas sobre o custo-benefício da execução dos procedimentos de auditoria exigidos.
    • Tecnologia / Metodologias de Audit – o acesso a ferramentas para a aplicação das ISAs numa entidade menos complexa pode ser um apoio muito limitado.
    • Formação e Técnicos - a falta de conhecimento e compreensão das ISAs existentes, novas ou revistas pode impactar negativamente a maneira como as ISAs são aplicadas.
    • Mais valia de uma auditoria – entre outros aspetos, relaciona-se com (i) confiança na auditoria, (ii) comunicação adequada de informações para apoiar decisões de investimento ou financiamento, (iii) relevância das informações relatadas, e (iii) uso de tecnologia para executar melhores auditorias.
    • Expectativas dos utilizadores - a lacuna entre o que o auditor deve fazer e o que os utilizadores esperam.
  • Fatores diretamente relacionados com a aplicação das normas internacionais de auditoria (ISAs):
    • Linguagem e Abordagem básica das normas - os detalhes nas normas estão a levar os auditores a uma abordagem mais de ‘compliance com as normas’, em vez de uma abordagem que incentive o uso de julgamento profissional na determinação dos procedimentos de auditoria mais apropriados para as circunstâncias específicas. As normas estão escritas de forma linear e sequencial, mas o processo de auditoria é iterativo por natureza.
    • Extensão das normas - as ISAs são extensas, o que pode dificultar a leitura e determinar o que precisa ser feito. Tem ainda o potencial de desencorajar a leitura de todo o material relevante e necessário.         
    • Documentação - os requisitos de documentação em todas as ISAs são extensos. Em muitos casos, falta clareza quanto ao que precisa ser documentado, sobre a extensão do trabalho a executar, em particular, nas auditorias a LCEs.
    • Falta de clareza quanto ao que deve ser feito ou ao porquê - nalguns casos, procedimentos desnecessários estão a ser executados porque, quando um auditor se depara com um conjunto específico de circunstâncias, as normas não são claras sobre a natureza e a extensão do trabalho necessário. Noutras circunstâncias, os procedimentos necessários não estão a ser executados porque a aplicação dos requisitos às circunstâncias não está clara.

O aumento da documentação/material a ler e a quantidade de detalhes nas ISAs podem (i) atuar como uma barreira na leitura e entendimento das ISAs, (ii) resultar na perceção de "Abordagem de checklist ", com um enfoco maior na conformidade/compliance, em vez de usar o julgamento profissional e, (iii) levar ao aumento da documentação de auditoria, sem nenhum benefício proporcional percebido.

Em termos conceptuais, as ISAs estão desenhadas para serem aplicadas a todos os tipos de entidades com complexidade de graus variáveis (o que está a ser denominado como escalabilidade ou “scalability”), ou seja, as ISA deveriam ser escaláveis, mas os auditores deparam-se com crescente número de normas e de material a ler que torna tudo mais difícil.

Deparam-se ainda com o aumento das exigências por parte dos supervisores que exigem a demonstração da documentação adequada de auditoria e os questionam sobre a aplicação de seu julgamento profissional. Estas exigências são de difícil conciliação e podem potencialmente levar a uma redução na qualidade da auditoria, pois podem afetar a forma como o auditor aplica as normas. 

Equilibrar as necessidades de todos os stakeholders, mantendo a robustez das normas existentes e a qualidade da auditoria é o desafio.

Próximas etapas

O International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) publicou, em 5 de novembro de 2020, um comunicado com o detalhe das próximas etapas para abordar este tema.

As contribuições para o Documento de Discussão e outras divulgações destacaram que, embora haja a necessidade de abordar desafios e questões relacionadas a entidades menos complexas, muitos dos desafios e questões também são aplicáveis ​​a todas as auditorias. Ao equilibrar as necessidades de todas as partes interessadas (stakeholders), bem como o tempo necessário para abordar os problemas e desafios dentro do conjunto mais amplo de ISAs, o IAASB propõe a criação de dois grupos de trabalho: (i) um para desenvolver uma norma separada focada nas questões e desafios específicos em auditorias de demonstrações financeiras de Entidades Menos Complexas (LCEs), e (ii) outro para tratar de questões relacionadas com complexidade, compreensibilidade, escalabilidade e proporcionalidade nas ISAs de forma mais ampla, de forma a permitir um uso mais eficaz e consistente das referidas normas.

Quais as condições fundamentais que devem ser atingidas para as normas de auditoria a Entidades Menos Complexas (LCE)?

  • Devem ser de aplicação geral/global: É imprescindível que a sua aplicação seja idêntica para todos, de forma a não existirem diferenças nas auditorias realizadas, permitindo a sua comparabilidade e reconhecimento internacional, bem como estabelecer uma base comum para todos os players no mercado (auditores, reguladores e supervisores).
  • Garantia de qualidade: A norma para as LCE deve assegurar o mesmo nível de garantia e/ou confiança na auditoria.
  • Orientado para a vertente tecnologia: O desenvolvimento das normas deve antecipar o desenvolvimento em ferramenta tecnológica de forma a permitir a realização da auditoria de uma forma mais eficiente e,
  • Orientado para a Entidade: É imprescindível que o desenvolvimento da norma seja aproveitado para reforçar a mais valia de uma auditoria, tendo presente os aspetos mais valorizados pela Entidades (melhorias nos procedimentos de controlo interno, conselhos úteis para a gestão, verificação e análise da contabilidade).

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