Modelos de reconhecimento de imparidade de ativos financeiros

Abordagem aos modelos de reconhecimento de imparidade de ativos financeiros. Enquadramento normativo SNC e principais diferenças face ao normativo IFRS.

Contextualização da NCRF 27 e da IFRS 9

A NCRF (Norma Contabilística e de Relato Financeiro) 27 e IFRS (International Financial Reporting Standards) 9 têm como base a IAS (International Accounting Standard) 39, apesar dos diferentes contextos e motivações que estiveram na sua origem. Se, por um lado, a NCRF 27 resultou da necessidade de harmonização desejada pela Comissão Europeia que visava a aproximação ao modelo IASB (International Accounting Standards Board), por outro lado, a IFRS 9 resulta da resposta à crise financeira de 2008, nomeadamente da procura de redução da complexidade e subjetividade da IAS 39, assim como da necessidade de se avançar para um modelo mais prospetivo em matéria de reconhecimento das perdas de imparidade de ativos financeiros. 

A NCRF 27 corresponde assim a uma adaptação da IAS 39, permitindo um melhor entendimento da norma e uma melhor adaptação às entidades do setor empresarial português, onde não se incluem as entidades do setor bancário, ou outras que, por determinação legal ou por opção, se incluem no âmbito de aplicação das normas internacionais de contabilidade.

Apesar do formato simplificado da NCRF 27, esta norma no §2, apresenta uma especificidade que se traduz na possibilidade de uma Entidade, optar por não aplicar a norma nacional, se decidir reconhecer, mensurar e divulgar os instrumentos financeiros de acordo com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, sem prejuízo de continuar a aplicar as restantes Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro do Sistema de Normalização Contabilística na preparação das contas estatutárias.

Esta especificidade leva a que as Entidades ao optarem por critérios contabilísticos mais exigentes, em matéria de instrumentos financeiros, e que correspondem atualmente aos previstos na IFRS 9, apresentem os seus instrumentos financeiros em plena conformidade com o normativo internacional, facilitando por exemplo o processo de consolidação de contas com entidades que adotem as IFRS. 

Aspetos particulares relacionados com imparidade de ativos financeiros

A IFRS 9 alterou o critério de determinação de imparidade, introduzindo o conceito de perdas de crédito esperadas que substitui o conceito de perda incorrida.

O conceito de perdas de crédito esperadas significa que, as entidades precisam de observar como as condições económicas atuais e futuras afetam o valor estimado da perda esperada, não sendo necessário que um evento de perda ocorra antes do reconhecimento de perda por imparidade.

De acordo com a abordagem geral aplicável às entidades financeiras (mais complexa), o reconhecimento de imparidade prevê que, se à data de relato o risco de crédito não tiver aumentado significativamente desde o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar a imparidade para perdas, por uma quantia equivalente às perdas de crédito esperadas num prazo de 12 meses (resultando de uma probabilidade de entrar em incumprimento nos próximos 12 meses). A IFRS 9 prevê também que, se na data do balanço o risco de crédito do instrumento financeiro tiver aumentado significativamente desde o reconhecimento inicial, a perda por imparidade baseia-se em perdas de crédito esperadas para a vida inteira do contrato (probabilidade de entrar em incumprimento até à maturidade). 

Para além da abordagem geral, a IFRS 9 prevê uma abordagem simplificada nomeadamente para contas a receber comerciais, em que, independentemente de ter ou não existido um aumento significativo do risco de crédito, a entidade deve mensurar a imparidade para perdas por uma quantia equivalente às perdas de crédito esperadas para toda a maturidade do crédito.

A IFRS 9, no entanto, não estabelece orientações concretas ou um modelo específico sobre como as previsões de cobrança devem ser formuladas, definindo apenas que a imparidade deverá refletir (i) uma quantia objetiva e ponderada pelas probabilidades, determinada através da avaliação de um conjunto de resultados possíveis, (ii) o valor temporal do dinheiro, bem como (iii) informações razoáveis e sustentáveis que estejam disponíveis sem custos ou esforços indevidos a data de relato sobre eventos passados, condições atuais e previsões de condições económicas futuras. 

Importa realçar que, não obstante o referido acima, a IFRS 9 prevê a possibilidade de uso de matrizes para cálculo da imparidade a reconhecer, nomeadamente para clientes e outros valores a receber, aspeto facilitador na criação de modelos de cálculo de estimativas. A aplicação da IFRS 9 requer assim o exercício de julgamento, permitindo (e exigindo) que as entidades ajustem a sua abordagem de forma que as perdas esperadas reflitam a realidade económica das operações, potenciando também a necessidade de desenvolvimento de modelos baseados em métodos estatísticos.

Comparação da IFRS 9 com a NCRF 27em matéria de imparidade de ativos financeiros

O modelo de “perdas esperadas” previsto na IFRS 9, prevê um reconhecimento de imparidade de crédito desde o reconhecimento inicial do ativo financeiro e a remensuração da estimativa efetuada até que o saldo a receber seja pago, substituindo o designado modelo de reconhecimento de imparidade de “perdas incorridas” previsto na IAS 39 e na NCRF 27. 

Por seu lado, a NCRF 27 consubstancia o modelo das perdas incorridas, prevendo que uma entidade deve reconhecer perdas por imparidade relativamente aos ativos financeiros mensurados ao custo ou ao custo amortizado quando existir evidência objetiva de imparidade, ou seja, quando for observável (i) dificuldade económica do devedor, (ii) quebra contratual, (iii) concessões ao credor resultantes de dificuldades de pagamento, (iv) falência provável, (v) incapacidade de descontar dívida e (vi) condições económicas, nacionais, locais ou sectórias adversas.

Temos assim que, entre estes dois modelos (perdas esperadas e perdas incorridas), existe uma diferença conceptual onde, por um lado, no modelo das perdas incorridas, temos uma abordagem tendencialmente mais estática e reativa a dados observáveis de um evento que ocorre num determinado momento (e só depois de verificar esse acontecimento é que se reconhece uma imparidade), enquanto que, por outro lado, no modelo das perdas esperadas, a abordagem é tendencialmente mais dinâmica, assentando em cálculo de probabilidades face ao histórico creditício, conhecimento atual e prospetivo sobre o devedor e a envolvente macroeconómica (reconhecendo uma imparidade, desde logo, para os ativos financeiros de dívida que não sejam reconhecidos ao justo valor por resultados). 

Podemos depreender também que o modelo das perdas esperadas tenderá a antecipar perdas por imparidade face ao modelo das perdas incorridas, uma vez que assenta também nas expetativas futuras potenciando conservadorismo. Esta introdução de um maior nível de conservadorismo resulta da resposta às críticas ao modelo das perdas incorridas previsto na IAS 39 que, por inerência, também poderiam ser dirigidas à NCRF 27. 

Desafios do preparador, dos utilizadores e do normalizador

O facto da IAS 39 ter sido substituída pela IFRS 9, levou a um maior afastamento entre as normas nacionais e as normas internacionais, diminuindo a comparabilidade e consequentemente a capacidade de avaliação de investidores e financiadores. Este é um aspeto que deverá merecer especial atenção das entidades normalizadoras e dos utilizadores, atendendo nomeadamente à relevância dos principais aspetos diferenciadores desta norma e do seu potencial de impacto com especial destaque no modelo de imparidade. 

Ainda assim, realça-se que através mecanismo previsto na NCRF 27, é permitido que, por opção, as entidades que apliquem a NCRF 27 possam adotar a IFRS 9, nomeadamente quando entendam que a política de reconhecimento de imparidade de ativos do normativo internacional potencia a compreensibilidade e prudência da informação financeira, ao mesmo tempo que facilita a integração em contas das empresas mãe que apresentem contas consolidadas com base no normativo internacional.

Artigo de opinião de Ricardo Nunes – Senior Manager, Mazars Portugal

In Pulsar Económico

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