Os efeitos COVID-19 nas conclusões dos Auditores
É evidente para os Governos e Agentes económicos que a atual pandemia COVID-19 teve e continuará a ter um efeito significativo nas economias de cada país e ao nível global.
É certo que os efeitos ao nível de cada setor e empresa estão a sentir-se de forma diferenciada. Com o equilíbrio característico da economia, haverá setores de atividade que vão incrementar os seus negócios e aumentar o valor do seu património, assim como outros vão ter decréscimos e retração significativa, incluindo destruição irreversível de estruturas produtivas e acumulação de saber.
Importa refletir e retirar lições sobre os desafios que se colocaram aos gestores e preparadores de contas, quando em março de 2020, em tempos que, na sua grande maioria estavam a preparar os documentos de prestação de contas do ano de 2019 a apresentar aos seus acionistas, lhes foi exigido que, num curto espaço temporal, fizessem o exercício prospetivo de antecipação de impactos e de duração dos mesmos, com o propósito de permitir aos utilizadores das demonstrações financeiras, nomeadamente aos acionistas, que aprovassem os documentos de prestação de contas e de relato financeiro, incluindo a validação do pressuposto da continuidade das operações.
Também neste período, a generalidade dos auditores, quando tiveram de se pronunciar sobre os documentos de prestação de contas do ano 2019, nomeadamente no que respeita ao património, às operações e aos fluxos de caixa, tomaram em consideração que o evento COVID-19, por se tratar de um acontecimento que ocorreu após a data de reporte mas, na generalidade antes da emissão das demonstrações financeiras, deveria ser tratado como um assunto que requeria uma divulgação apropriada e, face à imprevisibilidade e no período em que a pandemia foi declarada, apenas restou a possibilidade em se chamar a atenção para um tema que os gestores avaliaram e divulgaram nos documentos de prestação de contas atendendo às circunstâncias.
A disrupção que a pandemia veio provocar na normalidade dos negócios e organizações face a 2019 foi enorme, criou desafios aos gestores das empresas, que ainda estão a ser medidos, e incrementou exponencialmente o risco da simples manutenção do negócio. Desde as quebras na cadeia de valor por limitações nos transportes de mercadorias, degradação dos níveis de fundo maneio normais do negócio, criando os consequentes desequilíbrios na tesouraria, até à falta de resposta ou necessidade de adaptação dos métodos de trabalho em prática, tornando também os sistemas de controlo interno (mais) vulneráveis à ocorrência de erros ou fraude no seio da organização. O mapa de riscos e a intensidade dos mesmos é também diferente.
Com este incremento do risco – naturezas e intensidade, para as organizações, os Governos implementaram medidas de apoio às empresas, os financiadores pediram moratórias, foram tomadas medidas de urgência com apoios às empresas para manterem os seus postos de trabalho, sempre com carácter de emergência, ambiente propenso mais uma vez, à ocorrência de práticas potenciadoras de erros ou fraudes, no mínimo, por razões de continuidade e de oportunidade.
Mas há uma certeza: as responsabilidades do Órgão de Gestão ou de Governação, enquanto preparadores de demonstrações financeiras não têm menor responsabilidade (à contrário dada a novidade e dimensão) e as responsabilidades dos auditores enquanto entidades que dão confiança aos utilizadores das demonstrações financeiras, também não viram reduzida ou contextualizada a sua responsabilidade. Medir os riscos e traduzir no relato financeiro foi e é o desafio.
De facto, o Órgão de Gestão, apesar da enorme disrupção, continua com a responsabilidade em manter um sistema de controlo interno que (i) previna (ii) detete e (iii) corrija os erros e/ou irregularidades que em condições normais, sempre podem ocorrer, mas nestas condições, certamente, o atual o nível de risco aumentou substancialmente face às circunstâncias. Este aumento exige aos gestores responsabilidades adicionais perante os principais stakeholders, manutenção de património e na capacidade de manter as atividades em continuidade operacional. A atitude dos gestores é enorme e é de enaltecer, demonstrada na capacidade de resiliência e assegurar a manutenção do valor do património perante os acionistas e terceiros, os seus recursos humanos responsivos e assegurando os processos produtivos do negócio em funcionamento, a capacidade de tomar medidas de transparência na aplicação correta de políticas contabilísticas adequadas e ajustadas divulgações na informação financeira. Exemplar.
E qual será o seu papel dos auditores em todo este processo pandémico?
A função de interesse público dá aos auditores a possibilidade de serem os únicos que podem justamente dar confiança aos utilizadores da informação financeira e assegurar se tal informação está isenta de erros e distorções materiais que, condicionem a sua utilização na tomada de decisões por parte dos todos os interessados naquela informação financeira. Servem o mercado por esta perspetiva.
Se o risco para a economia, para as empresas e para os gestores aumentou, inevitavelmente também aumentou para os auditores no exercício da sua atividade. E é justamente neste ponto que importa realçar os efeitos do COVID-19 nas conclusões de auditoria. Considero crítico que o processo de auditoria seja antecipado também nesta dimensão.
O que queremos dizer com isto?
Com cada vez mais normas de contabilidade e de auditoria, por exemplo, as novas regras mais exigentes para que os gestores divulguem as suas estimativas contabilísticas inerentes a qualquer processo de prestação de contas, é crítico que o auditor seja um impulsionador junto dos Órgãos de Gestão, na antecipação de questões que podem ter expressão no relato financeiro e nas conclusões do auditor, nomeadamente:
- na validação do processo de estimativas contabilísticas (vida útil dos ativos tangíveis, intangíveis e goodwill; pressupostos e cálculo do justo valor de ativos e passivos; responsabilidades por pensões de reforma; ativos e passivos por impostos diferidos, etc.);
- nos investimentos financeiros em participadas (nacionais e internacionais);
- nas divulgações apropriadas sobre financiamentos seus covenants e subsídios recebidos;
- na manutenção das políticas de reconhecimento do rédito; e
- na manutenção de controlos internos adequados, quer ao nível dos processos quer ao nível dos sistemas informáticos, entre outras situações.
É através do desafio e do rigor que se colocam também nas auditorias do ano de 2020, porque não houve qualquer alteração nas responsabilidades dos auditores que no desempenho das suas funções de interesse público, em virtude desta pandemia, lhe vão trazer responsabilidades na expressão da correta medida das suas conclusões, que justamente, vão criar valor e transparência às empresas, e rigor perante os seus utilizadores.
Será o ceticismo profissional, a sua capacidade de cumprir com a transparência perante o interesse público, assim como a justa interação com o Órgão de Gestão, quer através de comunicações escritas, quer através da validação dos seus pressupostos incorporados no modelo de negócio, que o serviço público da função dos Auditores será plenamente atingido.
Se todos cumprirem a sua função com rigor e transparência, todos tomarão consciência dos efeitos desta pandemia nas conclusões dos Auditores e assim, a economia e os seus agentes sairão desta época atípica com a transparência e esperança no futuro.
A título informativo deixamos um link sobre uma publicação do IFAC que reputamos de utilidade: