Reter talento num mundo global mantém-se o maior desafio

As baixas remunerações, quando comparadas com outras tarefas de gestão, e algumas noções antiquadas sobre a profissão, fazem da captação e retenção de talento uma dificuldade e o sector terá de se adaptar ao novo paradigma de trabalho híbrido.

Um dos grandes desafios frequentemente apontados pelos contabilistas é a atração e retenção de talento. As remunerações continuam a ser baixas quando comparadas com outras profissões de gestão, pelo que o mercado terá de se manter atento a novos incentivos aos trabalhadores, como modelos de trabalho híbridos, que ganharam adeptos durante a pandemia.

Em entrevista ao JE, Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), relembra que, apesar da importância que os profissionais do sector mostraram durante a pandemia, na agilização dos apoios ao tecido empresarial nacional, a contabilidade permanece como “a profissão das ciências económicas com menores remunerações”, dificultando a captação de jovens.

Vítor Vicente, diretor executivo da Contas e Resultados, vê aqui “a grande questão” da contabilidade.

“Fruto de uma errada política de promoção do contabilista, de uma quase ausência de posição contra o emaranhado fiscal e de obrigações empresariais (que prejudica todas as empresas e o país no seu todo) e ainda de uma política de anti valorização das empresas de contabilidade, o sector vive dificuldades em ser atrativo para os jovens e para os menos jovens”, retrata, falando numa “hemorragia de profissionais menos jovens, que nos melhores anos de experiência estão a abandonar” a atividade, e ainda de “muitos jovens [que] também evitam” a profissão.

“A competitividade empresarial começa no investimento nas pessoas e em políticas de atração de talentos”, considera Paulo Garrett, managing partner da GlobalWe. Numa área como a contabilidade, em particular, esta realidade é ainda mais evidente, dado que “presta expertise nos mais variados domínios”.

Como seria de esperar, o pacote remuneratório é referido pelos vários players do sector auscultados pelo JE, com vertentes variáveis como bónus de desempenho a tornarem-se cada vez mais comuns. No entanto, as preferências dos trabalhadores também se alteraram significativamente com a pandemia, especialmente depois da experiência de teletrabalho, e a preocupação dos colaboradores com o equilíbrio entre vida pessoal e profissional tem levado a que as empresas de contabilidade tenham procurado implementar cada vez mais modelos de trabalho flexível ou híbrido.

“A flexibilidade passou a ser bastante premiada pelos colaboradores, co estudos a indicar que uma larga percentagem deseja continuar a trabalhar em casa, pelo menos parte do tempo, e que conseguem estruturar melhor os seus hábitos de trabalho em torno da sua vida pessoal”, refere Tiago Nunes, administrador do Grupo Nucase. No entanto, o trabalho remoto é, como em qualquer atividade, um desafio; num sector onde as exigências com a gestão de equipas são grande, ainda mais desafiante se torna para a gestão.

“O mundo da dedicação às tarefas tenderá a terminar e há uma necessidade cada vez maior de todos os colaboradores, independentemente da hierarquia ou função, sentirem que fazem parte de algo que influencie as pessoas a economia de forma positiva”, completa Luís Batista, partner da Mazars. Com efeito, e dadas as dificuldades, em muitos casos, de desenvolver as tarefas de contabilidade e acompanhamento financeiro das empresas à distância, ganham prioridade outros aspetos como o alinhamento dos ideais dos trabalhadores com a visão da empresa ou o seu investimento em formação.

Paulo Garrett sublinha precisamente o papel da cultura empresarial na tentativa de construir uma boa estratégia de retenção de talentos nas empresas.

“É fundamental conhecer a organização e os colaboradores que fazem parte da estrutura, o contexto da empresa e ambiente de atuação, as expectativas dos colaboradores e do que precisam para crescer se sentirem bem e integrados na cultura da empresa onde estão inseridos”, destaca o managing partner da GlobalWe.

Conceitos como employer branding são cada vez mais uma realidade na área, continua Paulo Garret, “fortalecendo a imagem da empresa perante a restante concorrência”, bem como um “plano de carreira para os colaboradores que faça com que se sintam valorizados e recompensados” e mais alinhados com a cultura da organização em que se encontram.

InJornal Económico