Pandemia obrigou a reforço da sensibilidade e exigência
Tal como na vasta maioria das atividades económicas, a pandemia obrigou a uma adaptação na auditoria a um contexto de contactos reduzidos e à aceleração do uso de ferramentas digitais para colmatar estas condicionantes. No entanto, e sendo esta uma área que depende significativamente da capacidade de operar dos seus clientes, as alterações estenderam-se igualmente à necessidade de aumentar a exigência nos procedimentos, considerando a situação financeira complicada em que mergulharam vários sectores da economia.
Assim, as alterações causadas pela Covid-19 poderão ser divididas em dois tipos: o primeiro decorrente da necessidade de adaptar o negócio a uma realidade onde os contactos físicos são de evitar; o segundo resulta do cenário temporário em que se viram mergulhados segmentos inteiros do tecido produtivo nacional. E, enquanto o último efeito se deverá desvanecer com a recuperação económica esperada para a segunda metade do ano, a aceleração digital vivida às custas das limitações impostas pelo coronavírus parece ter vindo para ficar.
“O cenário teria sido bem diferente se esta pandemia tivesse acontecido há 15 anos, mas felizmente hoje temos uma capacidade de comunicação online e ferramentas informáticas de trabalho que nos permitiram manter o contacto permanente entre as equipas e com os clientes e a partilha eficiente e segura de informação, conseguindo dar alguma normalidade a esta realidade tão atípica”, começa por referir Ana Lopes, Assurance Lead Partner da PwC.
Com efeito, a passagem para teletrabalho foi a face mais visível de um processo que representou desafios a vários níveis: cibersegurança, eficiência na comunicação, gestão de equipas ou aspetos mais operacionais, como a adequada verificação de stocks. No entanto, este era um processo para o qual os grandes players do sector haviam já começado a delinear o caminho.
“A Covid-19 trouxe impactos relevantes nas atividades de auditoria e revisão de contas, uma vez que acelerou ainda mais o processo de digitalização da atividade, que já se vinha concretizando”, considera Paulo André, managing director da Baker Tilly, que exemplifica com “softwares de auditoria que integram módulos de metodologia, templates e formulários standard ajustáveis às circunstâncias, formas de documentação e níveis de revisão do trabalho efetuado, ou aprovação das conclusões obtidas”, tudo isto numa lógica de conetividade permanente.
Por outro lado, e dadas as dirupções profundas na atividade económica, revestiu-se de uma importância crescente o papel do auditor na avaliação da saúde financeira de cada empresa, explica Maria José Fonseca.
“Num contexto de severas restrições à atividade e de elevada incerteza, designadamente quanto à evolução de fluxos de caixa futuros, coube aos auditores avaliar a razoabilidade dos pressupostos assumidos pela gestão, realizando testes de auditoria adicionais, incluindo análises de sensibilidade, para avaliar se o relato financeiro continha a informação suficiente e adequada relativamente aos eventuais efeitos da pandemia na posição financeira e no desempenho das empresas auditadas”, detalha a diretora do mestrado em Auditoria e Fiscalidade da Universidade Católica do Porto.
“Não se tratou propriamente de adotar novas regras para a execução do trabalho de auditoria, mas sim de elevar o nível de exigência, como as circunstâncias impunham, e alterar o modo de execução. A substituição da auditoria tradicional pela auditoria baseada em ferramentas digitais, que já era uma aposta do setor, apenas ganhou maior relevância e visibilidade com a pandemia”, completa.
“Se o mapa de riscos para a economia, as empresas e os gestores ficou diferente, em quantidade e em intensidade, face ao impacto da crise pandémica, inevitavelmente também ficou acrescido o mapa de riscos dos auditores e o exercício da sua atividade”, acrescenta José Rebouta, Audit & Assurance Partner Mazars Portugal.
“Foi e é crítico que o processo de auditoria seja antecipado a todos os níveis e que o nível de ceticismo profissional seja também intensificado. O número e complexidade das normas de contabilidade e de auditoria determinam que o auditor seja também agente impulsionador junto dos órgãos de gestão na antecipação de questões que podem ter expressão no relato financeiro”, conclui.
Apesar de ser expectável uma recuperação da economia à medida que a Covid-19 vai ficando progressivamente mais controlada, grande parte das alterações à forma de atuar do sector de auditoria e revisão de contas deverá mesmo passar a marcar a forma de atuar neste meio, antecipa Ilídio Tomás Lopes, professor e responsável pelas áreas curriculares de auditoria e auditoria financeira no ISCTE.
“A situação pandémica que continuamos a experienciar veio claramente quebrar padrões historicamente muito estruturados e consolidados, não apenas ao nível da organização do trabalho e da comunicação com os encarregados da governação, mas fundamentalmente nos mecanismos de mitigação dos riscos”, uma quebra que, em muitos casos, “será irreversível”.
Tal traduzir-se-á “em alterações no enquadramento e alinhamento no seio do sector profissional da auditoria, decorrentes dos efeitos de escala e de estrutura dos diversos agentes do mercado”, sublinha.
Num contexto de severas restrições à atividade e de elevada incerteza, [...] coube aos auditores avaliar a razoabilidade dos pressupostos assumidos pela gestão”, refere Maria José Fonseca.