Pandemia esta a obrigar as consultoras a reiventarem-se
As consultoras dividem-se quanto à performance do negócio durante o primeiro semestre deste ano – umas falam em crescimento, ainda que a um ritmo mais lento outras admitem que o período atípico que ainda se vive impactou as suas receitas, pois os clientes tiveram de colocar em pausa os projetos que estavam em marcha. Ao Jornal Económico (JE), vários líderes de consultoras nacionais perspetivam um 2021 mais animador e falam de uma mudança em curso na forma como o sector trabalha.
Miguel Abecasis, managing director e senior partner da Boston Consulting Group (BCG) em Lisboa, elenca os atuais desafios de uma consultora de grande dimensão: continuar a combater o risco de contágio por Covid-19, trazendo a segurança e flexibilidade aos colaboradores, procurando manter as equipas coesas e empenhadas; perceber as alterações estruturais nos comportamentos e hábitos dos consumidores no pós-confinamento; acelerar a transformação digital; “depurar as lições” que a pandemia trouxe e fazer as transformações possíveis no modelo operativo, ao longo de toda a cadeia de valor e assumir a responsabilidade por desenhar o futuro da sociedade – uma área a que na BCG apelidam de “total social impact”.
“Este último ponto é o que destacaria como talvez o próximo desafio mais importante para qualquer organização. Até hoje, as grandes empresas eram bem-sucedidas na medida em que geravam retorno acionista. Acreditamos que já estava em curso e agora se tornou mais veloz uma transformação dessa medição de sucesso: as empresas serão tão bem-sucedidas quanto maior retorno trouxeram para a sociedade, e a visão financeira dos seus acionistas é uma parte disso, mas não o todo”, refere Miguel Abecasis. Ou seja, estabelecer um propósito na empresa que mobilize todos os trabalhadores a procurar superior ao retorno financeiro.
Na Deloitte, perante o contexto da Covid-19, o investimento interno também sido centralizado nas pessoas, nomeadamente no esforço da segurança e dos bem-estar dos seus recursos humanos e no estreitamento da relação com os clientes, segundo o partner Sérgio do Monte Lee. O sócio da Deloitte refere que tal foi possível por, concomitantemente, se ter investido em plataformas colaborativas e sistemas informáticos que conseguissem “manter os níveis de produtividade e eficiência, “apesar da disrupção que os novos modelos de trabalho trouxeram à operação”.
“Além disso, continuamos a apostar em projetos e iniciativas junto de universidades e centros tecnológicos, não só numa perspetiva de inovação, mas também de investimento na formação e certificação dos nossos profissionais”, explicou ao JE. Sérgio do Monte Lee conta que na Deloitte se desenvolveu uma estratégia concertada de negócio na qual a oferta de serviços foi verdadeiramente adaptada às necessidades dos clientes, com modelos operacionais direcionados para três diferentes fases: «respond, recover and thrive» (responder, recuperar e prosperar). “A flexibilidade nestes modelos de trabalho permitiu-nos, por um lado, continuar a trabalhar com clientes nacionais e internacionais de grande dimensão, em projetos de elevada complexidade tecnológica, e por outro, estar ao lado das pequenas e médias empresas nesta fase mais desafiante”, refere Sérgio do Monte Lee.
em Portugal, um dos grandes desafios estratégicos que se apresentam às firmas de consultoria é a promoção da resiliência operacional. “Cabe-nos incentivar políticas efetivas de planeamento e procurar a melhoria das capacidades das empresas para lidar com um momento de adaptação e possíveis cenários futuros de disrupção”, começa por dizer. “Adicionalmente, espera-se que as empresas contem com planos eficazes de comunicação interna e externa e processos de decisão claramente desenhados, que envolvam a totalidade de colaboradores e equipas de gestão. Este conjunto de ações assertivas para melhorar a resiliência operacional de forma célere exigirão um investimento significativo por parte das empresas, em particular quando é necessário substituir infraestruturas pouco robustas ou desatualizadas”, afirma.
À parte as infraestruturas, uma das chaves para manter a competitividade e a relevância está, mais do que nunca, na aposta em competências que extravasam a gestão, recrutando cientistas de dados e especialistas de design thinking ou agile coaches. E, em termos tecnológicos, implementar sistemas de analítica de informação e dados, da Inteligência Artificial e Internet das Coisas (IoT, na sigla anglo-saxónica) – algo que a Mazars não descura. “A nossa oferta nesta área abrange hoje a generalidade dos serviços clássicos tipicamente inseridos numa prática de consultoria, tais como estratégia e operações, mas conta cada vez mais com um enfoque em domínios associados ao digital e a tecnologias emergentes, essenciais no sentido de disponibilizar uma resposta mais ampla, profunda e eficiente”, refere Luís Gaspar.
O próximo ano, quase a bater à porta, continuará a ser laborioso para estas empresas. A Ernst & Young (EY) acredita que as consultoras que conseguirem auxiliar os clientes a identificar cenários futuros e a trabalhar neles terão hipótese de se posicionar como conselheiros estratégicos, fazê-los crescer e, consequentemente, crescer também em 2021.
Bruno Padinha, responsável de Consultoria da EY considera que a tecnologia de colaboração é um bom exemplo. “No advento da pandemia beneficiámos da filosofia de mobilidade e trabalho flexível que já tínhamos e rapidamente e sem sobressaltos colocámos todas as nossas pessoas, tanto client-serving como de back-office, a trabalhar a partir de casa quando ficou claro que era a coisa responsável a fazer e antes mesmo de as autoridades decretarem o confinamento. Simultaneamente, apoiámos alguns dos nossos clientes na aceleração dessa digitalização do posto de trabalho, aproveitando métodos de trabalho e aceleradores tecnológicos em que já tínhamos investido anteriormente”, lembra.
Na opinião de Miguel Cardoso Pinto, responsável da marca de consultoria estratégica da EY (EY--Parthenon), mais do que a tecnologia, o grande desafio está na “criação de um ponto de vista próprio sobre o futuro num mundo digital que não passe apenas pela digitalização dos modelos de negócio anteriormente existentes”. “E, nesse ponto, as barreiras culturais e de mindset são os maiores obstáculos à transformação”, esclarece.
Bruno Padinha dá outro exemplo deste progresso: a robótica e a automação de processos, que tem proporcionado à EY taxas de crescimento superiores às do crescimento da sua força de trabalho. “Não só as temos vindo a implementar nos nossos clientes, como temos utilizado internamente para eliminar tarefas de baixo valor acrescentado e, assim, permitir aos nossos consultores que dediquem mais do seu tempo à análise de informação e à procura e experimentação de soluções”, conclui.
In Jornal Económico