O seu negócio tem riscos ambientais? Vai pagar mais no crédito

Bancos vão ter de começar a avaliar os riscos ambientais dos créditos que concedem às empresas, com impacto nos custos do financiamento. A CGD foi a primeira a ter matriz de rating para todos os setores.

Ainda que discretamente, o sistema financeiro está também a preparar-se para as exigências futuras em termos de sustentabilidade, nomeadamente no que às alterações climáticas diz respeito. O BCE vai realizar, já em março, os primeiros testes de esforço ao sistema bancário europeu que incluem critérios de resistência climática para avaliar exposição aos riscos associados a catástrofes naturais ou à exposição a indústrias com elevadas emissões de dióxido de carbono, o que demonstra a importância desta temática na sua análise de risco de crédito. O banco central tem considerado as alterações climáticas um dos principais riscos para a economia nos próximos anos e estas preocupações são uma realidade já com reflexos no setor bancário.

O BEI-Banco Europeu de Investimento, também chamado de Banco Verde, tem um papel importante na transição climática e anunciou, por exemplo, ter deixado de financiar projetos de energia provenientes de combustíveis fósseis. A reboque destes novos desafios da sustentabilidade, e para cumprir as metas do Acordo de Paris, a banca comercial está a incorporar os critérios ambientais, sociais e de governança, os chamados ESG (Environmental, Social and Governance) na análise de risco de crédito às empresas que financiam. Setores como o têxtil, de exploração de minérios ou de produção de energia com combustíveis fósseis serão os mais penalizados.

Um estudo recente da Mazars, multinacional de consultoria e auditoria, referente a 2021 e divulgado este mês, que incidiu sobre 37 bancos na Europa, Américas, África e Ásia/Pacífico, revela que as instituições financeiras definiram uma ambiciosa estratégia de longo prazo para a sustentabilidade, mas necessitam ainda trabalhar mais a área de governança e divulgar melhor os critérios ESG. Aponta ainda que a maioria dos bancos avaliados já avançou significativamente neste percurso, mas a plena implementação das práticas relevantes mantém-se um desafio. O estudo mostra que 70% destas instituições estão a desenvolver cenários e recursos para os testes de stress, mas apenas 19% dos bancos divulgam, através de métricas de riscos de crédito, como se materializa o risco climático. A Mazars revela que os bancos franceses e britânicos mantêm a liderança em todos os domínios avaliados, sendo a implementação de estratégias o seu ponto forte.

Bancos alinhados com as estratégias ESG

Também as instituições financeiras nacionais já deram o pontapé de saída neste processo. A CGD afirma que foi o primeiro banco a ter pronto um Modelo de Rating ESG, aplicado a todos os setores de atividade, e que permite de uma forma simples e objetiva classificar automaticamente cerca de 300 mil empresas e incidir sobre 20 mil milhões de créditos bancários. Com esta matriz, a CGD consegue perceber quais os clientes a desenvolver e quais os clientes de maior risco, e considera que esta é uma ferramenta essencial para as decisões de investimento sustentável, promovendo assim uma carteira de produtos e serviços bancários com impacto positivo na sociedade.

Pedro Barreto, administrador executivo do BPI, refere a propósito que o banco tem "uma matriz de risco bem definida e implementada de acordo com a diretriz definida pelos reguladores e que está a ser aplicada de forma progressiva a todas as empresas". O responsável explica que o BPI definiu um conjunto de exclusões relacionadas com as atividades com especial impacto no risco meio ambiental, além das exclusões gerais relacionadas com a utilização de trabalho infantil ou trabalhos forçados, ou participação em abusos dos direitos humanos, e o cumprimento das normas em vigor em matéria de saúde e segurança no trabalho. "O BPI e o acionista Grupo CaixaBank têm apoiado clientes no financiamento da transição para uma economia mais verde. Um dos exemplos é a estruturação de green bonds. No último ano, as duas entidades formalizaram algumas das principais operações de financiamento sustentável em Portugal, com empresas como a EDP, a Sonae, a Altri, a BA Glass, a Corticeira Amorim, a Navigator, entre outras", afirma Pedro Barreto.

"Desde julho do ano passado que o Crédito Agrícola passou a atribuir uma notação Ambiental e Social aos nossos clientes empresariais. Para isso, todos terão de, gradualmente, responder a um conjunto de questionários sobre as suas práticas ambientais e sociais. Além disso, estamos a analisar a carteira de crédito tendo em conta os cenários identificados e a incluir o risco ESG e climático no modelo de risco do Banco", afirma Isabel Matos, responsável da Comunicação. Explica que, além de ajudar os clientes a estarem melhor preparados para as exigências ambientais e sociais que todos os financiamentos irão ter, o banco ainda consegue compreender a percentagem de créditos que estão atualmente alinhados com os princípios da sustentabilidade e assim identificar os produtos financeiros que possam incentivar os clientes a acelerar o alinhamento do negócio com o Pacto Ecológico Europeu. "Assim, cada empresa ou empréstimo terá uma classificação de A, B, C ou D relativamente ao seu alinhamento com os princípios da sustentabilidade. Esta informação, que já cobre alguns milhares de empresas, já nos vai dar um bom ponto de partida para compreendermos a qualidade ESG da nossa carteira de empréstimos", explica Isabel Matos. O CA já recolhe informação de setores como a agricultura, imobiliário e construção e, durante 2022, serão introduzidos questionários em mais três setores de atividade.

Santander deixa de financiar setores poluentes

"O Grupo Santander vai participar nos testes de stress climático do BCE, o que vai ser um exercício muito relevante para podermos entender ainda melhor os riscos e as oportunidades no que se refere aos efeitos das alterações climáticas nos nossos clientes", afirma fonte oficial do grupo. A mesma fonte adianta que o banco tem políticas muitos claras em termos de integração dos riscos climáticos, sociais e de governo na tomada de decisão de investimento e de concessão e crédito, e por isso faz uma avaliação prévia sobre potenciais impactos ambientais de todas as operações de financiamento de grande dimensão ou de setores críticos, e criou cinco grupos trabalho para fazer uma análise profunda a setores específicos, criar oferta de produtos e serviços de valor acrescentado no âmbito ESG. O Santander anunciou já que até 2030 irá deixar de financiar setores como a mineração de carvão e a geração de eletricidade com base em carvão e, em setembro, vai anunciar novos setores a serem restringidos e que tenham operações relacionadas com petróleo e gás, geração de energia elétrica, mineração e metalurgia e soft commodities (produtos agrícolas/alimentares).

O Montepio afirma igualmente estar a desenvolver trabalho nesta matéria, através da recolha, análise e tratamento de informação qualitativa e quantitativa para assim catalogar as empresas clientes relativamente ao seu desempenho ESG e, posteriormente, perceber o nível de compromisso destas empresas com estes critérios. "Os nossos clientes vão pretender a obtenção de uma boa pontuação para terem melhores condições financeiras nos produtos e serviços prestados, mas sobretudo porque existe uma convicção muito forte de que as empresas que pontuam bem nas métricas ESG antecipam melhor os riscos e oportunidades futuros, logo, são mais resilientes, mais competitivas e mais apelativas do ponto de vista do investimento", refere fonte do banco.

InDiário de Notícias