O meu reino por um software de auditoria e revisão de contas

As empresas de auditoria têm vindo a adoptar soluções tecnológicas mais sofisticadas, sobretudo de análise de dados. O investimento varia consoante a dimensão.

O negócio de auditoria e revisão oficial de contas tem estado sob pressão, depois de uma maré de colapsos financeiros nos últimos anos, quando se encontrou um buraco de 109 milhões de euros nas contas da Patisserie Valerie, desapareceram 1,9 mil milhões de euros no balanço da alemã Wirecard ou se apontaram erros nas contas da BHS ou da Carrillion – todas multinacionais com grandes auditores por trás. Portugal também não passou incólume a este tipo de eventos, nomeadamente os relacionados com o sector financeiro, onde pontifica o colapso do Banco Espírito Santo (BES), com todas as suas ramificações, nacionais e internacionais. 
 
Apesar de as chamadas “Big 4” – EY, Deloitte, KPMG e PwC – não se poderem dar ao luxo de falhar de novo e estarem cada vez mais exigentes, continuam com uma liderança incontestável do mercado, quer pela dimensão, quer pelos avultados investimentos em recursos humanos e tecnológicos, que resultam numa capacidade de resposta com que é difícil ombrear. 
 
Num artigo de opinião publicado na “Accountancy Age”, o CEO da empresa de análise financeira Metapraxis defende que a pandemia trouxe desafios acrescidos – sobretudo para as auditoras mais pequenas –, mas indicou que uma das soluções passa por recorrer à tecnologia para auxiliar os profissionais a fazer auditorias em tempo real, permitindo aos gestores ter tempo suficiente para discutir os temas e resolver quaisquer entropias antes que seja tarde demais. 
 
“As pessoas ainda são necessárias para fazer julgamentos e manter o senso de responsabilidade, mas precisam de ter ao serviço, a um nível-base, um algoritmo, não uma equipa de colaboradores com muito mais probabilidade de errar ou de perder um erro fundamental. Mudar o modelo não é uma tarefa fácil. Em última análise, essas não são empresas de tecnologia, portanto, precisarão fazer boas parcerias para sentir os benefícios dessa abordagem”, apelou Simon Bittlestone. 
 
Ivo Morais, Audit e Assurance manager da Mazars, garante ao Jornal Económico (JE) que a tecnologia está a transformar o papel dos auditores e a dar origem a processos e oportunidades de intervenção, corroborando a tese com a conclusão do estudo “O futuro da auditoria: Visão de mercado – mitos, realidades e caminhos a seguir”, na qual a grande maioria (cerca de 96% dos inquiridos) afirmou ser favorável à utilização das novas tecnologias pelos auditores (audit technology). “Permite economizar tempo, diminuir riscos e aumentar a confiança, apresentando-se hoje como um elemento integrado do processo de auditoria”, afirma. Na sua opinião, a capacidade de as integrar na rotina de trabalho “tornou-se um critério-chave para selecionar uma empresa de auditoria”, ainda que as competências dos funcionários continuem a ter mais importância, entre as quais “o conhecimento do negócio, a capacidade de compreender o ambiente da empresa, a estabilidade das equipas envolvidas e a qualidade consistente do serviço prestado são todos critérios a que o cliente confere ainda mais relevância”. Portanto, Ivo Morais considera que a tecnologia “emerge como um investimento que as organizações precisam de fazer, mas que deve ser realizado em simultâneo com planos de desenvolvimento das pessoas, para garantir conhecimento e competências críticas”, para que a resposta possa ser efetiva. 
 
Os agentes do sector contactados pelo JE referem o investimento em tecnologia como fundamental e como um dos desafios a que o sector terá de responder no futuro e que moldará a atividade e quem a exerce (ver fórum neste Especial). 
 
Esta é uma posição que está, aliás, de acordo com a análise feita pelo bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), que considera ue o recurso à tecnologia constitui a única forma de responder à cada vez maior complexização das relações entre agentes económicos, mas, também, à necessidade de ganhos de eficiência, para compensar a evolução das estruturas de custos (ver entrevista neste Especial). “O auditor, num futuro muito próximo, terá de ser um especialista em tecnologias de informação”, disse ao JE. 
 
Tecnologias que estão já em utilização 
 
E que tecnologias são essas, de que tanto se fala, mas pouco se conhece? Entre os exemplos de plataformas que estão a ser utilizadas por auditores e revisores de contas um pouco por todo o mundo está a Emburse Audit, uma solução com base em inteligência artificial (IA) para facilitar a análise de despesas, ou o Data Ingestion, da Engine B, que opera com o Microsoft B, ligado a importação de dados. 
 
“No caso da auditoria, a tecnologia já suportava os projetos, mas a aceleração foi acentuada, não só no suporte como na substituição de alguns processos de auditoria por procedimentos novos, usando tecnologia. Sendo a atividade de auditoria regulada, altamente estruturada e com processos tão bem definidos, o ajuste e as mudanças exigem um planeamento muito exigente”, conta ao JE Vítor Santos, senior partner da DFK. O porta-voz da empresa, que há cerca de um ano integrou na sua estrutura o Grupo Your, refere que a vertente mais relevante no dia a dia do grupo “é a adoção de ferramentas colaborativas e reporting, que já vinham a ser aceleradas na organização internamente, mas que passam a ser usadas no contexto dos projetos de auditoria e relação com clientes”. 
 
A TCAGest investiu ao longo de 2020-2021 cerca de 40 mil euros, distribuídos em três vertentes tecnológicas: digitalização e certificação documental; implementação e desenvolvimento do novo CRM (Customer Relationship Management) e IA adaptada às novas formas de trabalho. 
 
O CEO explica ao JE que, na sequência do decreto-lei n.o 28/2019, de 15 de fevereiro, e do Ofício circulado n.o 30213 sobre a desmaterialização de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, a empresa portuguesa acelerou o abandono do papel. “Esta decisão veio facilitar o trabalho interno. Os documentos são partilhados pelos clientes com as equipas de trabalho, num portal de gestão documental certificada, desmaterializando totalmente o processo contabilístico. Esta tecnologia, permite aos clientes acederem em tempo real ao sistema de contabilidade, a mapas de análise e de gestão adaptados às suas necessidades”, Paulo Luz. “A transformação digital é fundamental para estimular o crescimento e a inovação, reduzir a complexidade e combater riscos. Para isso, os nossos investimentos em tecnologias da informação são cada vez mais expressivos, especialmente com o intuito de obter dados para a tomada de decisões em tempo real. A informação, atualmente, tem importância altamente expressiva e pode representar um grande poder para quem a possui, seja a pessoa, seja a instituição. Ela possui valor, pois está presente em todas as atividades que envolvem pessoas, processos, sistemas e recursos financeiros”, conclui. 
 
O equilíbrio máquina-humano continua inclusive no quotidiano destas empresas, uma vez que continuam com um modelo híbrido de trabalho, variando entre o remoto e o presencial.

InJornal Económico

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Jornal Económico_​Ivo Morais.pdf

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