Portugal terá disponíveis recursos financeiros sem paralelo, nos próximos oito anos, provenientes da resposta europeia à crise pandémica, mas também do novo quadro de fundos estruturais. Esta disponibilidade de meios cria desafios à capacidade que o país terá para os aproveitar, mas também à forma como tudo será feito e que controlo.
Neste caderno especial publicado pelo Jornal Económico, Celso Fernandes, financial advisory senior manager da Mazars em Portugal, responde a algumas questões relacionadas com os Fundos Europeus.
Como avaliam o processo de candidatura e o Balcão 2030?
O processo ainda está em marcha, pelo que fazer uma avaliação nesta fase é prematuro. Não obstante, do que se conhece, as diretrizes vão ao encontro do que as empresas têm vindo a reivindicar. Destaca-se naturalmente (i) a evolução para um Balcão Único dos Fundos, promovendo a centralização dos canais de acesso e comunicação com os promotores, (ii) a interoperabilidade com toda a informação residente na Administração Pública (princípio do only once), e (iii) a harmonização e simplificação dos formulários de candidatura, restringindo a informação exigida ao mínimo necessário.
Quais os sectores/tipo de projectos que mais poderão beneficiar destes apoios, tanto ao nível privado, como da infraestrutura e serviços públicos?
A Estratégia Portugal 2030 está focada em quatro agendas temáticas centrais: i) as pessoas primeiro: um melhor equilíbrio demográfico, maior inclusão, menos desigualdade; ii) digitalização, inovação e qualificações como motores do desenvolvimento; iii) transição climática e sustentabilidade dos recursos, e iv) um país competitivo externamente e coeso internamente.
Acredito que os projetos que poderão beneficiar mais destes apoios são os promovidos pelas entidades privadas que assumirem, de forma séria, os desafios da digitalização e da inovação (onde a pandemia veio expor ineficiências, mas também revelar oportunidades), sem esquecer a incontornável transição para uma economia mais circular (com uma preocupação ambiental mais vincada).
Os projetos de infraestruturas, mais ligados ao sector público, terão certamente um impulso (face ao rol de projetos que se anunciam), com um efeito que acabará por se refletir no sector privado.
Como se pode garantir a correcta e eficiente aplicação destes fundos, tendo em conta as preocupações com eventuais apropriações indevidas dos mesmos, um erro apontado no passado a Portugal?
A incorreta e ineficiente aplicação de fundos é uma marca do passado. Presentemente o clima empresarial está mais focado em fatores ambientais, sociais e de governança (o tão em voga ESG), pelo que os intangíveis, como a reputação, são hoje essenciais na interação com os stakeholders.
O recurso a ferramentas informáticas de suporte (aposta na inteligência artificial) por parte dos Organismos que gerem os fundos são um sinal importante para melhoria. A interoperabilidade de todo o repositório de informação que consta na Administração Pública e o cruzamento desses dados são também um passo no bom caminho. A monitorização de proximidade por parte dos técnicos das Agências, junto dos promotores dos projetos (com presença no “chão da fábrica”), ajuda na identificação de problemas burocráticos e na dissuasão de práticas desviantes.
Não menos importante tem sido também o papel dos Revisores Oficiais de Contas e dos Contabilistas Certificados na certificação de despesas, conferindo rigor e credibilidade ao processo.
A Comissão Europeia menciona a promoção da resiliência, transição digital e climática como os principais fios orientadores destes apoios. No entanto, em Portugal verifica-se fortes assimetrias regionais que tornam evidente a necessidade de uma maior coesão territorial, uma questão fortemente relacionada com o envelhecimento e desertificação do interior. Como podem estes fundos ajudar na promoção deste objectivo?
Os desígnios “Um país competitivo externamente e coeso internamente” ou a “assunção dos territórios de baixa densidade como espaços de oportunidades” dificilmente encontrarão oposição. Estão previstas intervenções de base territorial de regeneração dos centros urbanos, da provisão de serviços públicos de proximidade, resolução de debilidades estruturais específicas de determinados territórios, entre outras iniciativas que certamente ajudarão no reforço da coesão territorial.
Os territórios da baixa densidade caracterizam-se por perda populacional, falta de mão-de-obra qualificada, fracos serviços públicos e privados de suporte, fatores que minam a atratividade. Os fundos podem ajudar no combate das insuficiências e assimetrias regionais quando canalizados para projetos estruturantes na região ou para o reforço da competitividade dos players locais, criando condições para atrair e reter pessoas, gerar emprego e riqueza, reforçar cadeias de valor e assumir um verdadeiro efeito multiplicador.