Condições atuais são propícias ao aumento dos negócios
A crise provocada pela pandemia de Covid-19 trouxe graves dificuldades a um vasto leque de sectores e empresas, mas também oportunidades para quem tenha resistido ou prosperado perante cenários altamente negativos. Nas fusões e aquisições (M&A), as duas vertentes assumem uma importância acrescida, com as oportunidades de investimento a surgirem em empresas com potencial de crescimento acima da média ou que necessitem de restruturação. Os consultores contactados pelo Jornal Económico consideram que há condições para que estas operações floresçam, num futuro próximo.
“Com base no atual enquadramento de taxas de juros e de liquidez, existem bases para que esta atividade cresça, o que já se vem verificando depois de alguma hesitação dos agentes no segundo trimestre de 2020”, antevê António Júlio Jorge, Partner & Financial Advisory Leader da Deloitte. “Temos em Portugal muitas empresas que são alvo de interesse por investidores estrangeiros”, aponta.
Um dos sectores mais frequentemente apontado como um vencedor na crise pandémica, o tecnológico, animava já o mercado português de fusões e aquisições, antes do eclodir da pandemia, mas esta incentivou a incorporação de ferramentas transversal à vasta maioria dos serviços e de algumas indústrias, o que aumentou o apetite por investimentos.
“A digitalização de processos e a robotização das indústrias é um processo sem recuo e que a pandemia ajudou a acelerar ainda mais. Com a Covid-19, todas as indústrias foram confrontadas com a necessidade de ter os meios tecnológicos para continuarem a operar, pois o nosso modo de vida alterou-se por completo numa questão de dias”, relembra João Sousa Leal, Partner de Advisory da KPMG, que antevê nesta transição uma força motora para operações de M&A no futuro próximo.
“A aquisição de empresas com uma forte base tecnológica e com produtos inovadores é uma das vias mais rápidas de acelerar o processo de transição digital e deverá ser incluído com uma opção nos planos estratégicos de qualquer indústria”, acrescenta.
Celso Fernandes, Financial Advisory Senior Manager da Mazars, vê estas transações “como um facilitador, na medida em que vão impor maiores exigências na esfera digital, quer de cariz endógeno (na gestão da cadeia de valor e dos ERP), quer de cariz exógeno (para abordagem ao mercado)”.
Assim, a integração de ferramentas como inteligência artificial, por exemplo, nas mais variadas indústrias motivará algumas movimentações no sentido da incorporação de tecnologia em operações mais tradicionais, mas também levará a necessidades de financiamento de empresas com grande potencial de crescimento. Neste capítulo, os bons exemplos passados de startups de sucesso deixam adivinhar movimentos no mercado de private equity, como refere Miguel Farinha, Head of Strategy and Transactions da EY Portugal.
“O mercado de private equity em Portugal é bastante ativo e um claro acelerador da transformação em muitas das nossas pequenas e médias empresas, em especial pela sua capacidade de aportar ‘smart money’ – trazendo contactos, acesso a mercados, acesso a tecnologia ou capacidade de gestão”, afirma, antecipando uma manutenção do crescimento do mesmo alicerçada no “excesso de liquidez atualmente disponível e os retornos que estas sociedades conseguem atingir”.
Este é, portanto, um sector no qual “Portugal está também a mostrar que pode ser um player relevante, onde as fronteiras e a dimensão do mercado português não são uma barreira tão impeditiva como noutros sectores”, acrescenta, também, António Júlio Jorge.
Há vida para lá da tecnologia
As oportunidades não se esgotam, no entanto, na tecnologia e outras áreas de negócio afiguram-se, também, como boas oportunidades para operações de fusões e aquisições.
Nomeadamente, a energia beneficiará das tendências de modernização e de transição verde, outro dos objetivos, a par da transição digital, definidos por Bruxelas.
O sector das infraestruturas deverá, também, na opinião do Partner da KPMG, continuar a animar o mercado, tal como em 2020.
Adicionalmente, novos clusters em que Portugal se começa a destacar podem beneficiar de investimentos que permitam “consolidar ou entrar em novos mercados”, destacando Sousa Leal os sectores têxtil, químico e a cadeia de valor do sector automóvel. Ainda assim, estes desenvolvimentos deverão sempre possuir “um cariz exportador e que não esteja limitado ao mercado doméstico português”, complementa Miguel Farinha.
Por outro lado, indústrias outrora em crescimento serão agora assoladas por dificuldades que colocarão grande pressão em empresas já consideravelmente alavancadas.
“O final das moratórias de crédito deverá ter um impacto na economia e no mercado de transações. A excessiva alavancagem e a escassez de capital poderão criar uma vaga de transações de distressed assets [ativos com preço abaixo do valor geral de mercado]. O que se espera é que se transacionem negócios com operações com potencial de viabilização, mas com estruturas de capital desequilibradas”, explica, ressalvando a necessidade de um sistema financeiro saudável.
Assim, sectores como o turismo e a restauração poderão estar na linha da frente para operações de restruturação, transformação ou concentração, dada a quebra nas suas operações no último ano, mas também a pressão exercida por uma elevada alavancagem. Uma pressão que se refletirá também na banca, um sector tradicionalmente ativo e presente no mercado, sobre o qual existem preocupações com a capacidade de absorver o malparado que poderá surgir no final do ano.